quarta-feira, 29 de abril de 2009

De Santa Maria de Belém para Santa Maria da Vitória

Quem, do alto
de tanta sela
e montada,
tanta vez, em sobressalto,
pôs Castela
em debandada...,

— ...pode lá ver, pela frente
pode lá ter, por diante
(sem que se exalte e se zangue
o seu rompante guerreiro)
, apenas gente aparente... gente
de sangue rafeiro?!...

Na imagem de vitral 
do espiritual cavaleiro —
medalhão medieval,
aos pés do qual
me consterno...
—, está ou não PORTUGAL
DE PORTUGAL?...
Está ou não PORTUGAL, inteiro,
e eterno?!...

É mister que, aferro e fogo,
quase tudo, aqui, de novo,
como novo se consagre...

De tal sorte que este povo
possa pôr cobro ao malogro
e opere, em Si, o milagre!

(— Assim nos valha
uma outra
batalha
d’Aljubarrota...)

A coroa da descrença
não há fronte que a suporte
da nascença
até à morte.

(Quanta vez o simples brado
d’uma voz d’além, remota,
tem tirado de cuidado
todo este Povo — e arredado,
do espírito mais crispado,
o espectro da derrota?!...

— Foi, ou não foi, ao mandado
de certa força ignota
que a gente formou quadrado
nos campos d’Aljubarrota?...)

Sob o alto e estuante historial
deste Mosteiro —
Mosteiro de pedra e cal,
perante o qual
me prosterno...
—, está ou não PORTUGAL
DE PORTUGAL?...
Está ou não PORTUGAL inteiro e
eterno?!...

... Mas, enquanto a esperança
não se abre ou entreabre,
dia-a-dia se agiganta
a abadia da memória
— à luz da lança
com que o Santo Condestabre
talhou Santa Maria
da Vitória!...

E ali, é que eu a mim me reúno,
debaixo daquela antiga bandeira
que me quis sagrar aluno
de D. Nuno
Álvares Pereira.

Do alto, lá do Seu posto,
atenda Ele, ao recado
que me foi lançado em rosto,
derramado o Seu desgosto
sobre a data já remota.
— Dia 14 d’Agosto:
Quadrado
d’Aljubarrota!

Quem já deu como morto
o Condestável,
esqueceu que o Seu corpo
é insepultável!...

Esqueceu que d’Ele descendo;
e que o fogo que ora acendo,
e em mais peitos vai ardendo,
só não passa a lume brando
— porque eu d’aqui me encomendo,
outra vez, ao Seu comando!

E a façanha que, de longe,
se desenha para hoje,
traça ali todo um roteiro
— que une a estamenha
do monge
à couraça do guerreiro!

Saia, de novo, a terreiro
— d’atalaia
e a dar ajuda —
todo o povo. O povo inteiro
outra vez contra o estrangeiro
nos acuda:
ponha a andar d’aqui o Andeiro
a tal arraia-miúda!

Arraial, Arraial
(de porrada)
Por PORTUGAL
— e mais nada.

Que sinal d’orfandade
sinal te amarfanha,
Orfeu ofendido?...

— ...Ou sempre é verdade
que a teia d’aranha
que ganha a cidade
te deixa transido?!...

Rodrigo Emílio - In Poemas de Braço ao Alto, 1982, págs. 543/557

Hino ao Beato Nuno de Sata Maria

Coro:

Herói e Nuno, Nuno imortal,
Herói e Nuno, Nuno imortal,
Valei à terra de Portugal!

(Bis)

I

Dom Nuno Alvares Pereira
Nosso encanto e nossa glória,
Retomai vossa Bandeira
E levai-nos à vitória.

II

Carmelita e Cavaleiro,
Abraçando a Cruz da Espada,
Mostraste ao mundo inteiro
O valor da Pátria Amada.

In Iconografia Condestabriana,
Bernando Xavier Coutinho, Instituto de Alta Cultura, p. 309,1971.


Língua-mãe

Volto a ser pequeno
como dantes para ir para a escola
onde aprendi os números e as letras
as ciências e as línguas.
mas desta vez não aprenderei
nem letras nem línguas
nem ciências nem números.

aprenderei a ouvir o povo das sanzalas
dos dongos dos rios das canoas do mar,
nos musseques e no morro da Maianga
as velhas contando coisas doutras eras.

que me interessa saber a língua de voltaire,
de Goethe e shakspeare,
se não sei o cantar das glebas negras?

se não sei o dizer dos marimbeiros,
os tocadores de tchingufos e kisanjis
quando entro calado pelos quimbos?

e o dizer compassado dos batuques
os cantos ritmados das massembas
as histórias do povo e as lendas do passado?


Vai Alta no Céu

 Vai alta no céu a lua da Primavera
Penso em ti e dentro de mim estou completo.
Corre pelos vagos campos até mim uma brisa ligeira.
Penso em ti, murmuro o teu nome; e não sou eu:
sou feliz.
Amanhã virás, andarás comigo a colher flores pelo campo,
E eu andarei contigo pelos campos ver-te colher flores.
Eu já te vejo amanhã a colher flores comigo pelos campos,
Pois quando vieres amanhã e andares comigo no campo a colher flores,
Isso será uma alegria e uma verdade para mim. 


segunda-feira, 27 de abril de 2009

Quem disse que eu me mudei?

Quem disse que eu me mudei?
Não importa que a tenham demolido:
A gente continua morando na velha casa em que nasceu.


domingo, 26 de abril de 2009

É proibido chorar sem aprender - Tradução para português do "QUEDA PROHIBIDO!"

É proibido chorar sem aprender,
Levantar-se um dia sem saber o que fazer
Ter medo de suas lembranças.

É proibido não rir dos problemas
Não lutar pelo que se quer,
Abandonar tudo por medo,

Não transformar sonhos em realidade.
É proibido não demonstrar amor
Fazer com que alguém pague por tuas dúvidas e mau-humor.
É proibido deixar os amigos

Não tentar compreender o que viveram juntos
Chamá-los somente quando necessita deles.
É proibido não ser você mesmo diante das pessoas,
Fingir que elas não te importam,

Ser gentil só para que se lembrem de você,
Esquecer aqueles que gostam de você.
É proibido não fazer as coisas por si mesmo,
Não crer em Deus e fazer seu destino,

Ter medo da vida e de seus compromissos,
Não viver cada dia como se fosse um último suspiro.
É proibido sentir saudades de alguém sem se alegrar,

Esquecer seus olhos, seu sorriso, só porque seus caminhos se
desencontraram,
Esquecer seu passado e pagá-lo com seu presente.
É proibido não tentar compreender as pessoas,
Pensar que as vidas deles valem mais que a sua,

Não saber que cada um tem seu caminho e sua sorte.
É proibido não criar sua história,
Deixar de dar graças a Deus por sua vida,

Não ter um momento para quem necessita de você,
Não compreender que o que a vida te dá, também te tira.
É proibido não buscar a felicidade,

Não viver sua vida com uma atitude positiva,
Não pensar que podemos ser melhores,
Não sentir que sem você este mundo não seria igual.

Nota: Tradução para português por autor desconhecido

Identidade

via ALMA PÁTRIA - PÁTRIA ALMA de Vítor Ramalho em 25/04/09

Um poema, que tanto nos diz, de António Manuel Couto Viana e que se recomenda na voz (um tanto silenciada, muito convenientemente...) de José Campos e Sousa:

O que diz Pátria mas não diz glória
Com um silêncio de cobardia,
E ardendo em chamas, chamou vitória,
Ao medo e à morte daquele dia

A esse eu quero negar-lhe a mão,
Negar-lhe o sangue da minha voz,
Que foi ferida pela traição
E teve o nome de todos nós

O que diz Pátria sem ter vergonha
E faz a guerra pela verdade
Que ama o futuro, constrói e sonha
Pão e poesia para a cidade

A esse eu quero chamar irmão
Sentir-lhe o ombro junto do meu
Ir a caminho de um coração
Que foi de todos e se perdeu

Autor do poema: António Manuel Couto Viana


sábado, 25 de abril de 2009

Se tu me amas, ama-me baixinho

Se tu me amas, ama-me baixinho
Não o grites de cima dos telhados
Deixa em paz os passarinhos
Deixa em paz a mim!
Se me queres,
enfim,
tem de ser bem devagarinho, Amada,
que a vida é breve, e o amor mais breve ainda...


quarta-feira, 22 de abril de 2009

Língua Chã

Escrevo em português
Corrente e liso.
Não preciso
De formas desvairadas
Camufladas
De falsa erudição,
Pedante sabedoria.

Minha fala é clara
Simples e chã
Como o odor da maresia
Que o mar tem pela manhã.

P'ra todos me entendam
Pois então
Logo ás primeiras
Logo de repente.

Detesto o vernáculo
Abobino o calão.
Não me armo em sábio
Nem quero ser sabão.
Sou apenas prosaicamente
Alguém prosaicamente
Alguém que não engana.
Um elo da cadeia lusitana,
Um pedaço de gente.

Fonte: "Amor de Sombras e Luz" de Maria Ramajal Jorge, Editorial Minerva

Canção de Salabu

Nosso filho caçula
mandaram-no p’ra s. tomé
não tinha documentos
aiué!
nosso filho chorou
mamã enlouqueceu
aiué!
Mandaram-no p’ra s. tomé

nosso filho já partiu
partiu no porão deles
aiué!
mandaram-no p’ra s. tomé

cortaram-lhe os cabelos
não puderam amarrá-lo
aiué!
mandaram-no p’ra s. tomé

nosso filho está a pensar
na sua terra, na sua casa
mandaram-no trabalhar
estão a mirá-lo, a mirá-lo

- mamã, ele há-de voltar
Ah! a nossa sorte há-de virar
Aiué!
mandaram-no p’ra s. tomé

nosso filho não voltou
a morte levou-o
aiué!
mandaram-no p’ra s. Tomé


Mário Pinto de Andrade (1928- 1990)

terça-feira, 21 de abril de 2009

O meu pensar

Sombras,
Imagens vultuosas
Que vou tendo
Coisas que deixo
Por fazer,
Apenas por sentir,
Por pensar,
Por viver!
Vozes que oiço,
De ajuda,
De amparo,
Que me iluminam
Sem querer ver,
Amanhã sim,
Darei valor
Ao que hoje,...
...hoje não quero ter!

Fonte: "Idades do Ser" de Andreia Cardoso, Editorial Minerva.

Ela foi vestida à belle époque

Ela foi vestida à belle époque,
quando surgiram os sapatos a preto
e branco
os anos loucos do foxtrot.
Uma fantasia de carnacal.
Raposas espiando
sinais misteriosos.
Na Luanda troopical. Penteado
de brilhantina
ele quer uns sapatos com
música
para dançar swing, rumba
e tango.
Anos quarenta. São sapatos pretos
e brancos.
Trinta anos depois, em Brazaville,
pegou a moda chamarem-lhes
- a dois tempos.
Anos oitenta,
ao som do jazz de Keith Jarret
os sapatso com música anunciavam
o baile a dois tempos
ao ritmo do samba.

Fonte: Lágrimas e Laranjas de Maria Alexandre Dáskalos, Caminho, pág. 42

À Miete Marcelino

À Miete Marcelino

A casa grande
risos
azáfama na cozinha.
Nós as meninas brincávamos
no jardim.
Tinhas a palavra certa
a delixadeza do gesto
com paciência e carinho.
Tu
que nos contaste as estórias
do Jesus menino
foste esperada por fuzis.

Fonte: Lágrimas e Laranjas de Maria Alexandre Dáskalos, Caminho, pág. 33

Fomos peregrinos de tantos lugares

Fomos peregrinos de tantos lugares
e de gentes de outras línguas
bebemos água de muitas fontes.

Mas àquela cachoeira
que nos pertencia
não podíamos chegar.
Prenderam-nos no exílio
e na tortura de a sonhar.

Não somos mais peregrinos,
estamos em outro lugar.
Mas viaja a alma
para nessa cachoeira mergulhar.

Fonte: Lá grimas e Laranjas de Maria Alexandre Dáskalos, Caminho, pág. 31

No temporal da revolução

No temporal da revolução
os baús de enxovais
preciosos
das raparigas casdadoiras
naufragaram.

Ainda hoje me consolo
com as leituras de Marx.
E, no entanto,
perdi o meu enxoval.

Fonte: Do Tempo Supenso de Maria Alexandre Dáskalos, Caminho, pág. 37

A minha cidade

A minha cidade
desliza por um monte
e tem aos pés
o rio e o mar.

A minha cidade
não tem horizonte
vê-se ao longe
até perder o olhar.

A minha cidade
tem palácios,
jardins, catedrais
e muitas coisas mais.

A minha cidade
cheira a rosmaninho
e nos velhos beirais
os pássaros fazem ninho.

A minha cidade
tem sempre calor
intenso e verdadeiro
fruto do trabalho
e amor
deste povo Tripeiro.

Fonte: A Vida, Sonhos & Poesia de Maria Algina Sá Pinto, Editorial Minerva. 

Prólogo - ao Velo d´Oiro

Fruto de um esfôrço como igual não há;
rosário de altos feitos e milagres
que começou a ser rezado em Sagres
e só Deus sabe quando acabará,
- a África lendária dos guerreiros
invencíveis e sobas portentosos,
sofre, ainda, do abandono dos medrosos
e das cartadas dos aventureiros.
Incompreendida - seja por maldade
ou porque a voz do povo é nisso esquiva - 
há uma vaga cegueira colectiva,  
que não a deixa ver na realidade...
É tempo de cuidarmos dêsse mal:
- A África, sem lenda nem mistério,
é apenas uma flor do nosso Império,
canteiro do jardim que é Portugal!
Se em Cazengo, tal qual como no Minho,
e no Planalto como em Trás-os-Montes,
nós ouvimos cantar as mesmas fontes
e sentimos por tudo igual carinho;
se lá no Selles, como no Alentejo,
o mesmo sol trespassa o nosso abrigo,
fecunda a terra, amadurece o trigo
e promete fartura de sobejo,
- por que teimar na idéia desumana
de distinguirmos sempre, em pensamento,
o que não é senão prolongamento
desta "pequena casa lusitana"?
Pois se o Futuro pode ser louvado
se trabalharmos essa terra ardente,
- por que não completarmos, no Presente,
a obra gigantesca do Passado?
Portugal é só um! O essencial,
para que êle progrida, é que se expanda!
Residir em Lisboa ou em Luanda
é tudo residir em Portugal!
Amemos essas terras de além-mar,
rosário de altos feitos e milagres,
que começou a ser rezado em sagres
e que ainda tem muito que rezar!...
 
Eis, em síntese, o espírito, a doutrina
da obra que vai ser representada.
Fantasia? De-certo. Mas pensada
com a verdade que a Verdade ensina.
Nossa primeira peça colonial,
os seus intuitos são, apenas, três:
- Amor à terra, culto a Portugal
e orgulho pelo Império Português!

Autores: Henrique Galvão e Silva Tavares
Fonte: O Velo d' Oiro - Fantasia colonial em 3 actos e 14 quadros, adaptado do romance do mesmo nome, original de Henrique Galvão, 1936

segunda-feira, 20 de abril de 2009

CUADERNO DE HACER CUENTAS

I
Las cosas son iguales a las cosas
Aquello que no puede ser dicho, hay que callarlo.
El ojo ve, y olvida.
Pero la voz lo grita:
las cosas son iguales a las cosas.
El ojo las ha visto.
A voz en cuello
la voz las ha callado.
(¿Y me volveré a ver y me diré: quién soy?)
Lo que el ojo conoce de las cosas
es por haberlas visto
iguales a ellas mismas.
(¿Y me diré otra vez: quién soy, que ya me he visto
y sigo siendo yo?)
El ojo ve, y olvida.
El ojo no es conciencia de las cosas,
ni es voz:
es ojo apenas.
Mudo, sordo,
ojo inmóvil delante de las cosas.
No sabe su sabor ni su sonido
ni conoce su peso ni su fuerza
ni juzga su deseo
ni su sentido.
El ojo ignora
todo lo que es posible ignorar de las cosas.
No ve lo que hay en ellas
sino lo que ya sabe:
y lo que sabe lo ha olvidado.
Es ojo sin memoria
ojo inmóvil
ojo
delante de las cosas.

El ojo es ciego
en la noche del párpado.
El ojo que quisiera ver las cosas,
saber que las ha visto,
creer que son iguales a las cosas ya vistas,
no las ha visto nunca.
Sólo conoce
sombras
en el párpado
huellas
en el párpado
cauces
en el párpado.
Y así imagina el ojo mudo y sordo,
el ojo quieto y ciego
y que todo lo ignora,
tiempos, vientos, olores, voces, fugas, silencios.
(¿Quién soy, que no me veo y no me he visto?)

II
Ahora, ahora, afuera:
luz de ciegos.
Ojo a cántaros, ojo
voraz y numeroso de los muertos.
(En la memoria el golpe seco, hueco,
de la luna en la piedra.
En la memoria, lejos,
un embudo de estruendo.
Racimo, granizada,
enjambre de ojos quietos.
En la memoria el túnel
repetido en el eco:
atrás, ayer, adentro.
Rastro de pasos, ecos).
Ahora, ahora. Afuera:
voz crecida en la voz
voz igual a otras voces
círculos en el círculo
luz en la luz, memoria en la memoria.
El alto cielo, embudo inescalable
(Y el gemido
de las tablas al sol, en el recuerdo).
En torno, el ojo
múltiple, pupulante:
extático
en la contemplación del arte por el arte.
(Las figuras, de golpe,
se desprenden del hueco de la curva,
se deslizan siguiendo el arco de los pétalos
cerrados como párpados.
Esperan
el rápido crujido de la tierra
el silbido del aire en los oídos, como seda rasgada,
el agrio olor del miedo
metálico y espeso como el cuero.
En la pupila pródiga
paisaje con figuras:
rígidas, fragmentadas
figuras de silencio
arrojadas de golpe y ahora rotas,
volteadas como guantes,
ingrávidas de pronto y ahora densas,
inertes,
rasguñadas sin fuerza
por los dedos del viento).
Un ojo cruel te mira
(alanceado de lenguas
engañado de sombras):
un ojo extático
en la contemplación del arte por el arte.

III
Todo cuerpo
dejado en movimiento, seguirá en movimiento.
El movimiento es gobierno de sí mismo:
carece
del más rudimentario sentido de autocrítica.
El movimiento
es puro amor del movimiento
ensordecido, ebrio.
El movimiento
baila consigo mismo, ante el espejo,
(parodia del amor)
la burla de la burla.
El movimiento
tiende a reproducirse.
(Subir, subir, surcar el alto viento
como si fuera necesario hundirse
en la profunda cavidad del cielo.
Subir sin Juicio
hasta el más alto cuenco de la altura,
subir con el impulso del abismo, acariciando
la lisa piel del cielo,
la ausente cicatriz donde se cierra el círculo
y subir ya es caer:
el hoyo en el espacio donde la ida se convierte en vuelta
y el viaje es ya regreso.
¿Para qué el movimiento
si el punto de ll El movimiento
no se suele plantear problemas metafísicos:
todo cuerpo
dejado en movimiento, seguirá en movimiento
seguirá en movimiento
aspirado hacia arriba por la altura,
arrastrado
por la atracción del vértigo,
absorto, ensimismado
en el delirio de los altos fondos:
abrirse paso en la quietud del viento
forzar
los pliegues asimétricos del viento
los chorros
de metal en fusión, viento en el viento,
rompiendo el viento, hurgando, hiriendo,
penetrando la dura flor del viento
hasta encontrar la sangre).
Dura ley de materia
que desgaja la nuez de la materia,
espada
que abre los labios dulces de la materia,
espada
tierna de luz
tensa de viento.
Todo cuerpo
sumergido en un líquido
seguirá en movimiento.

IV
- Mira, mira: ¿qué ves?
- Todo es lo mismo.
- Todo es lo mismo siempre: las cosas son las cosas
¿Qué ves?
- Carroñas,
cadáveres, torrentes
de tripas y cabezas trituradas,
remolinos de cuerpos
y cuerpos destruidos,
destrozos, sangres, muertes,
caminos de la muerte.
Y tú ¿quién eres tú?
- Soy el espíritu
que siempre engaña.
Esto es aquí
esto es aquí
esto es aquí
y ahora.
Es mía
la ceguera del sordo.

V
No se conoce sino la propia voluntad. Y no es mucho:
un ojo de agua
latiendo gota a gota en un pozo de sombra.
Un anillo de agua
nacido de la noche, dibujando
el perfil de la tierra, socavando
la raíz de la roca,
creciendo en espirales de silencio.
Agua dormida, espejo de agua oscura,
apenas reluciente,
rezumando
su claridad callada, respirando
un encerrado olor en lentos círculos.
Apenas martillada
de heridas, florecida
su pura piel por un jaspear de huida,
conmovida
por corrientes profundas.
No se conoce sino
la propia voluntad:
una boca de agua,
una creciente de muchas aguas juntas.
Apenas se conoce la propia voluntad. Y no es nada:
un río de agua,
roto de luz, llagado de tiniebla.
Un ojo abierto de agua.

VI
Los deseos vienen de afuera: chocan
en el plano del agua
convulso, removido
por turbios borbollones,
estallado en rompientes.
Los deseos, las ideas,
caen vibrantes de arriba, se clavan:
Jabalinas,
flechas de plata en sombra ya revuelta.

El alma cree que brotan:
que prolongan
los dedos de la mano como nervios de luz.
Vasta armazón de fuerzas disparada hacia el cielo
(red atrapando el cielo
que se escapa, aleteante, por entre las junturas),
oscilante estructura de cañas y de cuerdas
anclada en el espacio, columpiándose
con su carga de pájaros feroces
- torbellino
de gritos y de plumas, entrechocar de picos y de garras:
Peso sonoro
que ensombrece la realidad del mundo.
Colgado de lo alto
(temblorosa la mano en el haz de tensiones contrapuestas
en el caos
de cables y estampidos y látigos y riendas divergentes.
templadas, paralelas, cimbreantes, zigzagueantes),
colgado ahora, joya
chispeante en el vacío, alfiletero
erizado de puntas y de lanzas,
sin peso, bamboleante,
como si alguien, abajo,
dejara de repente de oponer resistencia,
se dejara llevar al grado de los vientos,
zarandear por su empuje, suspendido
del inmenso armatoste (no muy claro en su rumbo
y muy difícilmente maniobrable),
arrastrado
por un pie o una mano mordidos hasta el hueso,
ahorcado como un perro.

VII
Toda pregunta es un malentendido
venido desde afuera.
Así la red de errores
se afloja de repente y se deshincha
y el artilugio entero se viene cielo abajo con un solo crujido
(engañoso entramado
de palabras, de voces
oídas mal: incomprensibles)
como el sol en el mar, de un solo golpe,
dejando un gran silencio.
No la respuesta, sino el olvido.
(Entonces la fatiga
de desenmarañar. Es increíble
cómo se enreda todo.
Es increíble que aunque nunca dejemos que la tensión cayera un solo instante
y aprovechamos siempre sabiamente
-o eso siempre creímos-
el poderío del viento abierto,
encontremos ahora inexplicables
nudos de tres lazadas, nudos ciegos,
nudos de tejedor y marinero,
nudos de ahorcado y nudos corredizos).

VIII
Nada queda:
sólo un campo de sangre
encharcado de huellas.
Encrucijada de pistas ilegibles
que ha pisoteado todo el mundo.
Silencio, roto apenas
por el propio cansancio - por el sordo
dolor que ya palpita en las heridas.
Nada queda:
la verdad, dicha, no ha dejado nada.
(Evaporada al viento como un olor de sangre,
fugitiva en el agua).
Sólo se conoce la propia voluntad. Y no es nada.
Es todo lo que hay.

IX
El mal es sin remedio: toparnos cara a cara
con la muerte.

(No es fácil: muchas cosas:
ojos y sombras, cuerpos, la vanidad del arte,
aire y agua en las manos).
El mal es sin remedio.
Se nace para eso:
toparnos cara a cara con la muerte.
Tarea de soledad - ya no rutina
ni confusión, ni distracción, ni ruido.
Ahora empieza la noche, dibujando
con precisión las formas.
Tarea de soledad, inevitable.

X
La ética
no es tema de palabras.
Comienza en el momento en que concluye
una vida de hombre, en que recibe
punto final el caos:
el sitio en donde al fin se juntan todos
los hilos de la vida en un manojo
(incluidos aquellos que alguna vez fueron tajados).
La ética, como la metafísica,
no es juego ni materia de palabras.
Lo que ahora llega (y al llegar se agota)
es otra cosa:
el paso en donde ya no puede
andar dispersa el alma.
(Una vida de hombre
remata en este campo ya vivido, regado de otras muertes.
Aquí termina el mundo.
Mala muerte, tal vez.
Toda muerte es la muerte.
Inútil, vana muerte:
no servirá de nada,
ni convencerá a nadie.
Vistosa, o cruel, o igual a muchas muertes
de todos los domingos.
Cada muerte es la muerte).
Las cosas, que antes fueron iguales a las cosas -luz en la luz, memoria en la memoria-
ya no lo son: aquí no habrá más luz,
aquí se acaba la memoria.

XI
Porque se pierde siempre
(porque siempre
vendrá la muerte, iremos a la muerte)
es necesario haber jugado.
Sin esperanza.
Sin cautela.
Con el ojo y la mano.
No se escoge la muerte: a ella se llega
acorralado por la propia vida.
Hay que haber escogido
esa vida que empuja hacia la muerte.

XII
Pero el fin es palabra todavía
que sólo muere en el silencio.
Y el hierro, todavía,
sacará borbotones de rosas de la herida.
(Más allá
en el vapor caliente del descuartizamiento
en el rumor goteante de vísceras azules
y rosadas y verdes y amarillas
huele a flores cortadas en el desolladero)
(1974)


AMOR SACRÍLEGO


No meu negro pretérito já passado
Há a sombra triste dum amor imenso.
Imenso mas cruel por ter deixado
O perfume doce do seu incenso.
Amei-o, sim, em doce chama
Meu coração de menina lhe concedi.
Perdi a fé, a paz, perdi a alma,
E era um sacrilégio amar assim.
Era um sacrilégio, mas no seu todo,
Nosso amor era um raro sortilégio…
Criamo-lo neve e era lodo,
Criamo-lo santo e era sacrilégio.
Esse amor, esse amor, foi todo meu.
Em mim, seus laços ficaram impressos.
Nosso amor era luz e era sombra
E eram prantos e risos os nossos beijos.
E foi um sacrilégio e foi loucura
Foi loucura de amor, foi um lamento,
Como um hino imenso de amargura
Como um imenso, lento tormento.

Fonte: Blogue "Infinito"

domingo, 19 de abril de 2009

...Liberdade, essa palavra

...Liberdade, essa palavra
que o sonho humano alimenta
que não há ninguém que explique
e ninguém que não entenda...


Exortação frente à estátua do Condestável na Batalha por Couto Viana

via nonas de nonas em 16/04/09
Exortação frente à estátua do Condestável na Batalha

Para Mário Saraiva

Cavalga no bronze da glória
À ilharga do túmulo real,
Aqui, onde ficou, em pedra e fé, memória
Da mais vital vitória
De Portugal.

E ergue a espada nua. (Em certo dia
Bastara meia espada
Para enfrentar a cobardia
E vencer a batalha antes de começada.)

E o peito ovante oculta, floreada,
A cruz do seu brasão:
Como a sua alma e coração (branca e encarnada),
É divina divisa devotada
Ao Mestre, ao Rei e ao Irmão.

E olha o céu, caminho seu, seguro,
Pois sabe que no céu tudo se escoa
E Deus é sempre o futuro,
O último senhor do ceptro e da coroa.

Ó português que passas, indiferente,
Frente à estátua do Santo, do Herói:
Não te dói o presente?
A tua pátria doente
Não te dói?

Não sentes o desejo, o ímpeto de orar
Àquele que nos foi o salvador;
Pedir-lhe para regressar,
Formar quadrado contra o agressor?

De ter de novo como Capitão,
Por Deus e Pátria e Rei, o Herói, o Santo?
E de poder dizer altivamente não,
Seguindo o seu pendão,
Onde arde a esperança que perdeste há tanto?

Ah, se não queres marchar, em som de guerra,
Tal como ele, por um ideal,
É que não vale a pena o sangue, a terra,
E morre Portugal.

António Manuel Couto Viana
In «Sou quem fui», Edições Ática, Lisboa, 2000, págs. 144/145.


Eu te peço perdão por te amar de repente

Eu te peço perdão por te amar de repente 
Embora o meu amor seja uma velha canção nos teus ouvidos. 
Das horas que passei à sombra dos teus gestos 
Bebendo em tua boca o perfume dos sorrisos 
Das noites que vivi acalentado 
Pela graça indizível dos teus passos eternamente fugindo 
Trago a doçura dos que aceitam melancolicamente. 
E posso te dizer que o grande afeto que te deixo 
Não traz o exaspero das lágrimas nem a fascinação das promessas 
É um sossego, uma unção, um transbordamento de carícias 

E só te pede que te repouses quieta, muito quieta 
E deixes que as mãos cálidas da noite encontrem sem 
fatalidade o olhar extático da aurora. 

Fonte: Blogue
AMORE - post de 17Abr2009


O trigo para mim não vale nada

O trigo para mim não vale nada.
Os campos de trigo não me lembram coisa alguma. E isso é triste!
Mas tu tens cabelos dourados. Então será maravilhoso quando tiveres me cativado.
O trigo que é dourado, fará com que eu me lembre de ti. 
E eu amarei o barulho do vento no trigo...

Fonte: Blogue AMORE - post de 18Abr2009

quinta-feira, 16 de abril de 2009

Nun`Álvares por Miguel Torga

via nonas de nonas em 15/04/09
NUN`ALVARES

Pátria — é um palmo de terra defendida.
A lança decidida
Risca no chão
O tamanho do nosso coração,
E todo o inimigo que vier
Tem de retroceder
Com a sombra da morte no pendão.

Eu assim fiz,
Surdo às razões da força e da fraqueza.
(A liberdade não discute os meios
De se manter.)
Mais difícil era a empresa
Que a seguir comecei:
Já sem cota de malha, combater
Por outro Reino e por outro Rei!

Miguel Torga
In Poemas Ibéricos, 1.ª ed. 1965 e Poesia Completa, Edições D. Quixote, 2000, pág. 710.

Nun`Álvares Pereira por Luís Vaz de Camões

via nonas de nonas em 13/04/09
Mas nunca foi que este erro se sentisse
No forte Dom aluerez; mas antes,
Posto que em seus irmãos tão claro o visse,
Reprovando as vontades incostantes,
Àquelas duvidosas gentes disse,
Com palavras mais duras que elegantes,
A mão na espada, irado e não facundo,
Ameaçando a terra, o mar e o mundo:
(Canto IV, est.ª 14)

«Como?! Da gente ilustre Portuguesa
Há-de haver quem refuse o pátrio Marte?
Como?! Desta província, que princesa
Foi das gentes na guerra em toda a parte,
Há-de sair quem negue ter defesa?
Quem negue a Fé, o amor, o esforço e arte
De Português, e por nenhum respeito,
O próprio Reino queira ver sujeito?
(Canto IV, est.ª 15)

Como?! Não sois vós inda os descendentes
Daqueles que, debaixo da bandeira
Do grande Henriques, feros e valentes,
Vencestes esta gente tão guerreira,
Quando tantas bandeiras, tantas gentes
Puseram em fugida, de maneira
Que sete ilustres Condes lhe trouxeram
Presos, afora a presa que tiveram?
(Canto IV, est.ª 16)

Com quem foram contino sopeados
Estes, de quem o estais agora vós,
Por Dinis e seu filho sublimados,
Senão cos vossos fortes pais e avós?
Pois se, com seus descuidos ou pecados,
Fernando em tal fraqueza assi vos pôs,
Torne-vos vossas forças o Rei novo,
Se é certo que co Rei se muda o povo.
(Canto IV, est.ª 17)

Rei tendes tal, que, se o valor tiverdes
Igual ao Rei que agora alevantastes,
Desbaratareis tudo o que quiserdes,
Quanto a mais quem já desbaratastes.
E, se com isto, enfim, vos não moverdes
Do penetrante medo que tomastes,
Atai as mãos a vosso vão receio,
Que, eu só, resistirei ao jugo alheio.
(Canto IV, est.ª 18)

Eu só, com meus vassalos e com esta
(E, dizendo isto, arranca meia espada),
Defenderei da força dura e infesta
A terra nunca de outrem sojugada.
Em virtude do Rei, da pátria mesta,
Da lealdade já por vós negada,
Vencerei não só estes adversários,
Mas quantos a meu Rei forem contrários.»
(Canto IV, est.ª 19)

A Gabriela Mistral

Una rosa de angustias -mar y viento-
y la estrella que gime en tierra oscura;
una secreta herida de ternura
y el camino interior del pensamiento.

Tu nombre fijo, tu divino intento,
la suelta voz que llega, larga y pura;
este compás de sangre, que asegura
tus cantos recogidos en mi acento.

Dulce don invisible para el día
de la flor y la erguida melodía,
con el pájaro leve y la campana.

Lo diste sin saber, pero se advierte
que te sigue, imantado hasta la muerte,
el paso fiel de tu pequeña hermana.


Romances de norte y sur (10)

Juan Guzmán Cruchaga, quiero
hablar de la tierra tuya.
Tierra visible en el sueño
y en la realidad oculta.
Tierra que busco y encuentro
por estremecidas rutas
del clima de la poesía,
de corazones en fuga,
de reflejos y relatos,
y adivinanza y pregunta.

Con voz incierta… lejana…
inventando lo que busca;
voz de mágicos veleros
en corriente de aventura;
iré mostrando visiones,
rasgando nieblas profundas,
entrándome en el paisaje
y descubriendo criaturas.

Mi telón de tierra cálida
en el ojo se derrumba,
y sube una estrella libre
por tu bandera de altura.

El mar de peces alados
hiela su viaje de espumas
y aparecen capitanes
de la canción y la brújula.

Ciudades que nunca he visto
guiñan pupilas nocturnas,
y nombres que hallé en tus labios
entre los ecos me buscan.

Sobre imaginadas cumbres
manos celestes dibujan
trémulas rosas de frío
con prismáticas agujas;
y hondos imanes de sangre,
que veinte fronteras cruzan,
en el amor de tu suelo
se detienen y se juntan.

Como dádiva perenne
soplos australes empujan
temblor de sal y de savia
para canciones futuras.
Y el colibrí de mi siesta
—saeta leve y aguda—,
halla en tus prados lejanos
la flor de buenaventura…

Rostro de cuatro estaciones
—cuatro soles, cuatro lunas—,
me regala tu belleza
en diferentes posturas.
Y el color de mis volcanes
y la humedad de mi jungla
se resuelven en escarcha
tornasolada y desnuda;
en guirnaldas de copihues,
en tallos cabeza rubia,
en la felpa del durazno
y los zumos de la uva.

Juan Guzmán ¡cómo me cuesta
hablar de la tierra tuya!
apenas tiño mi verso
de adivinanza y pregunta.

Para contar mi deseo,
que es media sombra y figura;
para mostrar tu paisaje
—estampa de conjeturas—,
tengo que buscar, a tientas,
por las milagrosas rutas
de corazones en fuga;
de la oración de Gabriela
donde norte y sur se anudan;
de tu palabra sutil
y la recia de Neruda.

¡Tierra empinada en el sueño
con sus voces y criaturas!

Fonte: Blogue Poemas del Alma 

Lágrimas ocultas

Se me ponho a cismar em outras eras
Em que ri e cantei, em que era querida,
Parece-me que foi noutras esferas,
Parece-me que foi numa outra vida...

E a minha triste boca dolorida,
Que dantes tinha o rir das primaveras,
Esbate as linhas graves e severas
E cai num abandono de esquecida!

E fico, pensativa, olhando o vago...
Toma a brandura plácida dum lago
O meu rosto de monja de marfim...

E as lágrimas que choro, branca e calma,
Ninguém as vê brotar dentro da alma!
Ninguém as vê cair dentro de mim!


terça-feira, 14 de abril de 2009

Um poema de Reina María Rodríguez

via Bibliotecário de Babel de José Mário Silva em 12/04/09

AS BRUTAS

Quatro mulheres enforcaram-se no planalto.
Degolaram com paciência os seus animais
as suas vinte cabras
os seus dois cães de raça,
e os corpos
penderam no vazio.
Mas o vazio tinha nesse dia uma luz roxa
e havia pássaros presenciando o sangramento
daquele sangue jovem.
Eram irmãs
e os cães eram amantes
e as cabras pastavam sobre a mesma colina
cruzavam e descruzavam as suas patas dianteiras
com um lento movimento de felicidade.
Ao levantar-se, ninguém estava com ânimo para assistir à paisagem.
Ninguém ouviu o canto das cabras
ao concluir o seu caminho.
Ninguém ouviu ladrar os cães
(o seu silêncio é a morte)
e não há que virar os olhos
para os cumes nevados
com as quatro mulheres penduradas
(podem ser de argila a esta distância)
figuras de palha seca ao sol,
(espantalhos)
alguma ilusão de cinza no alto.
Atrás, segue passando o rio.
Cada vez mais claro, mais manso.
O vento balança-as a cada momento.
Ninguém se atreve contudo a descê-las.
Ninguém quer conceber o uivo sem eco
de planalto.
Mulheres sem homens (bestas) com os joelhos fracos
– não foram elas as do grito, as da queixa –
foi mais dos animais a lamentação.

Soa um corno de caça medieval.
O homem numa névoa de paixão, recordações
e amargura
(baixa)
mas chegou tarde para as resgatar.
Luciana casava-se na próxima semana.
Não pôde adiar a decisão colectiva,
o rito de morrer das suas irmãs.
Justa cerzia para um orfanato
e Quisque dava de comer aos animais.
Umas vidas simples…
Quisque, Justa, Lucía e Luciana
rebentaram o cordel que juntas as atou.
As brutas, diziam-lhes.
As sábias, murmuravam.
Contradição da representação.
Formalidades.
Quatro figuras, vinte cabras
e dois cães de raça caem como sementes no orvalho.
Uma mão, o dorso de um cão, a falange,
um pescoço cortado em cruz
o meu focinho, o teu.
O cordel que as une é o limite?
O limite esse grito que ninguém escutou?
Como tirar os olhos de uma paisagem
sem cães nem cabras?

[in Poesia Cubana Contemporânea - Dez Poetas, selecção de Pedro Marqués de Armas, tradução de Jorge Melícias, Antígona, 2009]

domingo, 12 de abril de 2009

Já tive a rosa do amor

Já tive a rosa do amor
- rubra rosa, sem pudor.
Cobicei, cheirei, colhi.
Mas ela despetalou
E outra igual, nunca mais vi.
Já vivi mil aventuras,
Me embriaguei de alegria!
Mas os risos da ventura,
No limiar da loucura,
Se tornaram fantasia...
Já almejei felicidade,
Mãos dadas, fraternidade,
Um ideal sem fronteiras
- utopia! Voou ligeira,
Nas asas da liberdade.
Desejei viver. Demais!
Segurar a juventude,
Prender o tempo na mão,
Plantar o lírio da paz!
Mas nem mesmo isto eu pude:
Tentei, porém nada fiz...
Muito, da vida, eu já quis.
Já quis... mas não quero mais...


ROSÁCEA D`ALJUBARROTA

À vista do Mosteiro
da Batalha
— há conquista
que resista,
há lá guerreiro
que valha?!...

...Deixai, então, que vos fale
(— porque me dá cuidado
e por mais nada!)
d`aqueloutro Portugal
talhado à espada
e condenado, afinal,
a não ser nada... —

...Sala d`aula do Além,
anfiteatro do Mar,
— que ninguém, que já ninguém
hoje vem
contemplar...

Rodrigo Emílio, In Poemas de Braço ao Alto, 1982, págs. 541/542

Sedução

Em manhã fria, nevada
dessas manhãs de cacimbo
em que uma alma penada
não se lembra de ir ao limbo,
eu vi formosa, correcta,
não sendo europeia dama
a mais sedutora preta
das regiões da Quissama

mal quinze anos contava
e no seu todo brilhava
o ar mais doce e gentil!
tinha das mulheres lindas
as graças belas, infindas
de encantos, encantos mil.

nos lábios, posto que escuros,
viam-se-lhes risos puros
em borbotões assomar.
tinha nos olhos divinos
revérberos cristalinos
e fulgores… de matar!

radiava-lhe na fonte
- como em límpido horizonte
radia mimosa luz,
da virgem casta a candura
que sói dar à formusura
a graça que brota à flux!...
embora azeitados panos
lhe cobrissem os lácteos pomos
denunciavam os arcamos
de dois torneados gomos

Cordeiro da Matta (1857-1894)

Elisa Mulata

Quando Elisa, a Mulata
de olhos brilhantes como dendem
veste de negro
seu corpo parece uma escultura quioca
escurecida pelo tempo.

quando Elisa, a mulata
veste de negro
e samba sozinha no meio da sala
de um cabaret
ao som de uma orquestra de mambos
renasce uma rainha
de qualquer noite africana.

Elisa, a mulata ordinária
de olhos brilhantes da cor do dendem
de corpo brilhante, coleante de cobra
de lábios vermelhos e grossos
parece uma escultura quioca
reminiscência de uma qualquer noite africana
perdida nas minhas noites da Europa.

rainha
de uma qualquer noite africana.

Elisa
mulata ordinária
Elisa de Luanda
perdida nas noites
de um cabaret de Lisboa

Elisa
a que quando veste de negro
parece uma escultura quioca
enegrecida pelo tempo.

Ernesto Lara Filho (1932-1977)

sábado, 11 de abril de 2009

El alma trémula y sola

El alma trémula y sola 
Padece al anochecer: 
Hay baile; vamos a ver 
La bailarina española. 

Han hecho bien en quitar 
El banderón de la acera; 
Porque si está la bandera, 
No sé, yo no puedo entrar. 

Ya llega la bailarina: 
Soberbia y pálida llega; 
¿Cómo dicen que es gallega? 
Pues dicen mal: es divina. 

Lleva un sombrero torero 
Y una capa carmesí: 
¡Lo mismo que un alelí 
Que se pusiera un sombrero! 

Se ve, de paso, la ceja, 
Ceja de mora traidora: 
Y la mirada, de mora: 
Y como nieve la oreja. 

Preludian, bajan la luz, 
Y sale en bata y mantón, 
La virgen de la Asunción 
Bailando un baile andaluz. 

Alza, retando, la frente; 
Crúzase al hombro la manta: 
En arco el brazo levanta: 
Mueve despacio el pie ardiente. 

Repica con los tacones 
El tablado zalamera, 
Como si la tabla fuera 
Tablado de corazones. 

Y va el convite creciendo 
En las llamas de los ojos, 
Y el manto de flecos rojos 
Se va en el aire meciendo. 

Súbito, de un salto arranca: 
Húrtase, se quiebra, gira: 
Abre en dos la cachemira, 
Ofrece la bata blanca. 

El cuerpo cede y ondea; 
La boca abierta provoca; 
Es una rosa la boca; 
Lentamente taconea. 

Recoge, de un débil giro, 
El manto de flecos rojos: 
Se va, cerrando los ojos, 
Se va, como en un suspiro... 

Baila muy bien la española, 
Es blanco y rojo el mantón: 
¡Vuelve, fosca, a un rincón 
El alma trémula y sola!


sexta-feira, 10 de abril de 2009

CAIXA DE COSTURA

Nunca compreendi
a caixa de costura.
Testemunha muda
de tardes e gerações,
poder feminino
sobre o útil, no fundo
dos carrinhos e dos dedais
devia haver
a esperança.

Pedro Mexia, “Duplo Império”, edição de autor, Lisboa, 1999

BARCO RABELO

Balouço tranquilo em tuas águas
E recordo as viagens de outros tempos
Sem alardes sem pesares sem mágoas
Com saudades sim mas sem lamentos
Para te sulcar muitas vezes fui desfeito
Contra as fragas que estreitavam tuas margens
Muitos cascos meus roçaram no fundo do teu leito
Muita gente ouvi eu rogar-te pragas
Pela triste sina que nos davas
De passar a vida inteira
Na perigosa canseira
De sulcar e de vencer
Rio abaixo rio acima
O teu caudal tenebroso
De águas bravas
Muitos sofreram muitos suaram
Tanto mosto transportado no meu bojo
Para muitos foste caverna e fojo
Quantos estiolaram
Num canto triste de taberna
Tu agora não és rio és estrada
Percorrida por barcos de recreio
Recheados de gente que te olha
Divertida embasbacada
Já sem o receio de outras eras
Os meus tempos foram outros
Terminei a minha faina habitual
Não sei se estou pior se mais feliz
Sou um símbolo do passado nacional
Dei ao mundo a conhecer o meu país
Agora sou um souvenir de Portugal


Que pode uma criatura senão

Que pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?
amar e esquecer,
amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados, amar?

Que pode, pergunto, o ser amoroso,
sozinho, em rotação universal, senão
rodar também, e amar?
amar o que o mar traz à praia,
e o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?

Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o áspero,
um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma ave de rapina.

Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.

Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa
amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita.


quinta-feira, 9 de abril de 2009

Ouve estes versos que te dou, eu

Ouve estes versos que te dou, eu
os fiz hoje que sinto o coração contente
enquanto teu amor for meu somente,
eu farei versos...e serei feliz...

E hei de fazê-los pela vida afora,
versos de sonho e de amor, e hei depois
relembrar o passado de nós dois...
esse passado que começa agora...

Estes versos repletos de ternura são
versos meus, mas que são teus, também...
Sozinha, hás de escutá-los sem ninguém que
possa perturbar vossa ventura...

Quando o tempo branquear os teus cabelos
hás de um dia mais tarde, revivê-los nas
lembranças que a vida não desfez...

E ao lê-los...com saudade em tua dor...
hás de rever, chorando, o nosso amor,
hás de lembrar, também, de quem os fez...

Se nesse tempo eu já tiver partido e
outros versos quiseres, teu pedido deixa
ao lado da cruz para onde eu vou...

Quando lá novamente, então tu fores,
pode colher do chão todas as flores, pois
são os versos de amor que ainda te dou.


quarta-feira, 8 de abril de 2009

Aquela que dormirá comigo todas as luas

Aquela que dormirá comigo todas as luas
É a desejada de minha alma.
Ela me dará o amor do seu coração
E me dará o amor da sua carne.

Ela é a querida da minha alma
Que me fará longos carinhos nos olhos
Que me beijará longos beijos nos ouvidos
Que rirá no meu pranto e rirá no meu riso.
Ela só verá minhas alegrias e minhas tristezas
Temerá minha cólera e se aninhará no meu sossego

E virá a mim me olhando de olhos calmos
Se oferecendo à minha posse
Rasgando o véu da nudez sem falso pudor
Cheia de uma pureza luminosa.
Ela é a amada sempre nova do meu coração
Ela ficará me olhando calada
Que ela só crerá em mim
Far-me-á a razão suprema das coisas.
Ela é a amada da minha alma triste
É a que dará o peito casto
Onde os meus lábios pousados viverão a vida do seu coração
Ela é a minha poesia e a minha mocidade
É a mulher que se guardou para o amado de sua alma
Que ela sentia vir porque ia ser dela e ela dele.

Ela é o amor vivendo de si mesmo.
É a que dormirá comigo todas as luas
E a quem eu protegerei contra os males do mundo.

Ela é a anunciada da minha poesia
Que eu sinto vindo a mim com os lábios e com os peitos
E que será minha, só minha, como a força é do forte e a poesia é do poeta


Por aqui andamos como folhas secas

Por aqui andamos como folhas secas
não sabemos bem se vivos ou se mortos

por aqui andamos
cumprindo o fado que não entendemos
uma vida que não é nossa
como um fato que pomos sobre o corpo nu

por aqui andamos submissos
subindo e descendo a rua
nós ou outros não importa
é como se fôssemos outros
tão longe que estamos de nós
indo para as repartições
vindos das máquinas de escrever
dos papéis dos tornos ou das enxós

por aqui andamos
regressando por vezes
com a consciência do dever cumprido
o dever cumprido
ópio que se inventou para
nos escondermos desta torpe existência

por aqui andamos
ai horas de desespero que são tão lúcidas
em que vemos que o que estamos é atrás do espelho
por aqui andamos como jornais velhos
que virão percorrendo as ruas
e acabam nas sarjetas
ou dão novos jornais
que farão a mesma coisa

por aqui andamos

por aqui andamos
que triste ser poeta ou lá o que se é
sejamos prosaicos ao diabo tudo isto
dá vontade de lançar uma
bomba de s. João
e pensar que se mandou o mundo aos ares
dá vontade de ir descobrir o Brasil
como se não estivesse descoberto há
quatrocentos e tal anos
é certo que há uma esperança
sabe-se que isto não será sempre assim
felizmente que não será sempre assim
felizmente que isto não será sempre assim
mas por aqui andamos
por ora aqui estamos
vestidos de
fantasmas entre fantasmas a fingir de gente…

Antero Abreu (1927) - Nasceu em Luanda e fez os estudos de direito em Lisboa. Enquanto estudante foi dirigente da Casa dos Estudantes do Império. Foi um activista do associativismo e da cultura tendo-se destacando no Departamento Cultural da Associação dos Naturais de Angola – Anangola. Membro fundador da União dos Escritores Angolanos, depois da independência exerceu os cargos de Procurador-geral da República e de embaixador em Itália.


Al espejo

Me quedo en tus pupilas, sin convite a tu fiesta de fantasmas. 
Adentro todos trenzan sus efímeros lazos, 
yo solo afuera, y sin amor, mas prisionero, 
yo, mozo de cordel, con mi lamento, a tu ventana, 
yo, nuevo triste, yo, nuevo romántico. 

Dentro de ti, las nupcias de hielo al sol del árbol y la nube, 
pareadas risas que se pierden por perdidos senderos, 
la inevitable luna casi líquida, 
el agua rota en trinos y en su música un lirio y una abeja en su estigma 
y en su aguijón tu anhelo de olvidarme. 

Yo, en alta mar de cielo 
estrenando mi cárcel de jamases y siempres. 

Dentro de ti, la casa, sus palmeras, su playa, 
el mal agüero de los pavos reales, 
jaibas bibliopiratas que amueblan sus guaridas con mis versos, 
y al fondo el amarillo amargo mar de Mazatlán 
por el que soplan ráfagas de nombres. 
Mas si gritan el mío responden muchos rostros que yo no conocía 
o que borró una esponja calada de minutos, 
como el de ese párvulo que esta noche se siente solo e íntimo 
y que suele llorar ante el retrato 
de un gambusino rubio que se quemó en rosales de sangre al mediodía.


segunda-feira, 6 de abril de 2009

Ich hab dich so lieb

Vamos lá a um exercício de tradução, traduzam para português este lindo poema!...
Rui Moio

Ich hab dich so lieb
Ich habe dich so lieb!
Ich würde dir ohne Bedenken
eine Kachel aus meinem Ofen
schenken.

Ich habe dir nichts getan.
Nun ist mir traurig zu Mut.
An den Hängen der Eisenbahn
leuchtet der Ginster so gut.

Vorbei - verjährt -
Doch nimmer vergessen.
Ich reise.
Alles was lange währt,
ist leise.

Die Zeit entstellt
alle Lebewesen.
Ein Hund bellt.
Er kann nicht lesen.
Er kann nicht schreiben.
Wir können nicht bleiben.

Ich lache.
Die Löcher sind die Hauptsache
an einem Sieb.

Ich hab dich so lieb.


domingo, 5 de abril de 2009

Caballero solo

Los jóvenes homosexuales y las muchachas amorosas,
y las largas viudas que sufren el delirante insomnio,
y las jóvenes señoras preñadas hace treinta horas,
y los roncos gatos que cruzan mi jardín en tinieblas,
como un collar de palpitantes ostras sexuales
rodean mi residencia solitaria,
como enemigos establecidos contra mi alma,
como conspiradores en traje de dormitorio
que cambiaran largos besos espesos por consigna.

El radiante verano conduce a los enamorados
en uniformes regimientos melancólicos,
hechos de gordas y flacas y alegres y tristes parejas:
bajo los elegantes cocoteros, junto al océano y la luna
hay una continua vida de pantalones y polleras,
un rumor de medias de seda acariciadas,
y senos femeninos que brillan como ojos.

El pequeño empleado, después de mucho,
después del tedio semanal, y las novelas leídas de noche,
en cama,
ha definitivamente seducido a su vecina,
y la lleva a los miserables cinematógrafos
donde los héroes son potros o príncipes apasionados,
y acaricia sus piernas llenas de dulce vello
con sus ardientes y húmedas manos que huelen a cigarrillo.

Los atardeceres del seductor y las noches de los esposos
se unen como dos sábanas sepultándome,
y las horas después del almuerzo en que los jóvenes estudiantes,
y los jóvenes estudiantes, y los sacerdotes se masturban,
y los animales fornican directamente,
y las abejas huelen a sangre, y las moscas zumban coléricas,
y los primos juegan extrañamente con sus primas,
y los médicos miran con furia al marido de la joven paciente,
y las horas de la mañana en que el profesor, como por des-
cuido,
cumple con su deber conyugal, y desayuna,
y, más aún, los adúlteros, que se aman con verdadero amor
sobre lechos altos y largos como embarcaciones:
seguramente, eternamente me rodea
este gran bosque respiratorio y enredado
con grandes flores como bocas y dentaduras
y negras raíces en forma de uñas y zapatos.


VEN CONMIGO

Ven conmigo
subamos al volcán
para llegar al cráter
hay que romper la niebla
allí adentro
en el cráter
burbujea la historia:
Atlacatl
Alvarado
Morazán
y Martí
y todo ese gran pueblo
que hoy apuesta.
Desciende por las nubes
hacia el juego de verdes
que cintila:
los amantes
la ceiba
el cafetal
mira los zopilotes
esperando el festín.
«Yo estuve mucho rato
en el chorro del río.»
explica la mujer
«un niño de cinco años
me pedía salir.
Cuando llegó el ejército
haciendo la barbarie
nosotros tratamos de arrancar.
Fue el catorce de mayo
cuando empezamos a correr.
Tres hijos me mataron
en la huida
al hombre mío
se lo llevaron amarrado.»
Por ellos llora la mujer
llora en silencio
con su hijo menor
entre los brazos.
«Cuando llegaron los soldados
yo me hacía la muerta
tenía miedo que mi cipote
empezara a llorar
y lo mataran.»
Consuela en susurros
a su niño
lo arrulla con su llanto
arranca hojas de un árbol
y le dice:
«mira hacia el sol
por esta hoja»
y el niño sonríe
y ella se cubre el rostro de hojas
para que él no llore
para que vea el mundo
a través de las hojas y no llore
mientras pasan los guardias
rastreando.
Cayó herida
entre dos peñas
junto al río Sumpul
allí quedó botada
con el niño que quiere
salir del agua
y con el suyo.
Las hormigas le suben
por las piernas
se tapa las piernas
con más hojas
y su niño sonríe
y el otro callado
la contempla
ha visto a los guardias
y no se atreve a hablar
a preguntar.
La mujer junto al río esperaba la muerte
no la vieron los guardias
y pasaron de largo
los niños no lloraron
fue la Virgen del Carmen
se repite en silencio
un zopilote arriba
hace círculos lentos
lo mira la mujer
y lo miran los niños
el zopilote baja
y no los ve
es la Virgen del Carmen
repite la mujer
el zopilote vuela
frente a ellos
con su carga de cohetes y los niños lo miran
y sonríen
da dos vueltas
y empieza a subir
me ha salvado la Virgen
exclama la mujer
y se cubre la herida
con más hojas
se ha vuelto transparente
se confunde su cuerpo con la tierra
y las hojas
es la tierra
es el agua
es el planeta
la madre tierra
húmeda
rezumando ternura
la madre tierra herida
mira esa grieta honda
que se le abre
la herida está sangrando
lanza lava el volcán
una lava rabiosa
amasada con sangre
se ha convertido en lava
nuestra historia
en pueblo incandescente
que se confunde con la tierra
en guerrilleros invisibles
que bajan en cascadas
transparentes
los guardias
no los ven
ni los ven los pilotos
que calculan los muertos
ni el estratega yanqui
que confía en sus zopilotes
artillados
ni los cinco cadáveres
de lentes ahumados
que gobiernan.
Son ciegos a la lava
al pueblo incandescente
a los guerrilleros disfrazados
de ancianos centinelas
y de niños correo
de responsables de tugurios
de seguridad
de curas conductores
de cuadros clandestinos
de pordioseros sucios
sentados en las gradas
de la iglesia
que vigilan la guardia.
La mujer de Sumpul
está allí con sus niños
uno duerme en sus brazos
y el otro camina.
Cuénteme lo que vio
le dice el periodista.
«Yo estuve mucho rato
en el chorro del río.»

Fonte: Blogue: Poemas del Alma

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